PM avisa PS e Chega que também são responsáveis pelas contas públicas no final do ano

por Mariana Ribeiro Soares - RTP
António Cotrim - Lusa

No debate quinzenal desta quarta-feira, o primeiro-ministro confirmou a intenção do Governo de ter “contas positivas” no final do ano, mas avisou que o PS e o Chega serão também responsáveis pelo estado das finanças, acusando os dois partidos de quererem “legislar em substituição do Governo”.

Luís Montenegro começou por apontar o dedo ao Executivo de António Costa, afirmando que o legado “não correspondia à situação que era, de uma forma muito enfática, apresentada: que os cofres estavam cheios, o país nadava em dinheiro por via do excedente orçamental que tínhamos alcançado o ano passado”.

No entanto, o primeiro-ministro tranquilizou os portugueses, garantindo que “não há nenhuma razão para alarme”, apesar de o primeiro trimestre - "da exclusiva responsabilidade do anterior Governo" - ter terminado com um défice superior a 250 milhões de euros em contabilidade pública e de 0,2% do PIB em contabilidade nacional, atribuindo esse défice a mais de mil milhões de euros de despesas extraordinárias nos primeiros três meses do ano, e a "um conjunto de decisões que não tinham nem têm cabimentação orçamental".

Apesar disso, “é intenção do Governo chegar ao final do ano com contas públicas equilibradas, diria mesmo, com contas públicas positivas”, disse Montenegro, alertando, no entanto, “que esses objetivos para este ano e para o próximo não responsabilizam só o Governo”.

Para o primeiro-ministro, serão também responsáveis pelas contas públicas de 2024 e 2025 todos os partidos que aprovam medidas na Assembleia da República "que têm impacto orçamental", em particular PS e Chega.

Montenegro exemplificou com a descida do IRS aprovada pelo parlamento, dizendo que não corresponde "ao espírito e conteúdo" da proposta de lei do Governo e que terá "um efeito financeiro superior ao estimado para 2024 e 2025" pelo executivo.

"Os efeitos económicos da decisão da Assembleia da República responsabiliza os que tomaram essa decisão”, afirmou. “É bom que o país saiba que estes partidos, ao invés de terem optado por fazer recomendações ao Governo, quiseram legislar em substituição do Governo e das forças políticas que o apoiam. Por isso, quiseram também assumir a sua responsabilidade”, concluiu.
PS disponível para trabalhar com o Governo para reforma da justiça
Na sua primeira intervenção no debate, Pedro Nuno Santos focou-se na questão da Justiça e mostrou-se disponível para trabalhar com o Governo para uma reforma nesta área.

"À política o que é da política; à justiça o que é da justiça", disse o secretário-geral do PS, realçando que "a separação de poderes é essencial numa sociedade democrática e é fundamental preservar essa separação".

Pedro Nuno Santos denunciou “coincidências” na Justiça, falando em “inquéritos abertos que se arrastam durante anos, que estão durante vários anos congelados e em momentos cruciais da vida democrática ganham outra vez projeção mediática ou mesmo diligências”.

"O primeiro e segundo caso podem ser coincidência; ao terceiro só dizemos que é coincidência se não tivermos respeito pela nossa própria inteligência", afirmou.

“Temos uma sistemática violação do segredo de Justiça”, apontou, criticando de seguida a divulgação de escutas. “É crime a cedência e é crime a publicação”, lembrou.

O secretário-geral do PS disse que “não se pode fazer de conta nem assobiar para o lado” e mostrou-se disponível para trabalhar ao lado do Governo para reformar a Justiça.

“As matérias de regime e de Estado Direito democrático exigem de nós [PS e PSD] a capacidade de nos entendermos e promovermos mudanças”, afirmou.

“Não excluímos a necessidade de uma reforma na Justiça, mas que a reforma não se transforme num megaprocesso”, ressalvou.
 
O primeiro-ministro afirmou, por sua vez, que o Governo está disponível para ponderar, com contributos da Assembleia da República, alterações no domínio da justiça penal, aludindo a áreas como o combate à violação do segredo de justiça ou escutas telefónicas.

"Quero confirmar que os objetivos do legislador em áreas como a detenção fora de flagrante delito, o combate à violação do segredo de justiça, o uso de intersecções telefónicas como meio complementar de prova - e não como meio exclusivo - não foram totalmente acolhidos na prática", admitiu Montenegro.

O primeiro-ministro referiu que, nestas áreas, "há questões que preocupam a todos", sem nunca falar diretamente na divulgação de escutas envolvendo o ex-primeiro-ministro António Costa, sem relevância criminal no âmbito da chamada Operação Influencer.

"Havendo na sociedade portuguesa e na Assembleia da República disponibilidade para podermos ter na justiça penal alguma ponderação de alterações, o Governo, naturalmente, está disponível e não deixará de estar, com contributos da Assembleia da República", afirmou.
Montenegro e Ventura trocam acusações

O primeiro-ministro reiterou, durante o debate quinzenal, o seu apoio a António Costa para o Conselho Europeu, considerando que o ex-primeiro-ministro é o “melhor socialista” para o cargo.

"Eu considero que António Costa é mesmo o melhor socialista daqueles que estão com condições de ser candidatos à presidência do Conselho Europeu para o exercício daquela função em concreto. Não é só por ser português, é pelas suas próprias características", enfatizou o primeiro-ministro.

“Não tenho nenhum problema em assumir o apoio a António Costa”, sublinhou, perante os protestos da bancada do Chega.

“Eu estou muito à vontade porque eu sentava-me naquela bancada como líder parlamentar do PSD a combater politicamente e a fazer oposição ao primeiro governo de António Costa. Quando outros ou ainda não estavam na política, ou estavam atrás de mim com a bandeira a apoiar aquilo que eu dizia”, disse Montenegro, numa crítica a André Ventura.

O líder do Chega, por sua vez, acusou Montenegro de ser hipócrita, recordando as vezes que o primeiro-ministro criticou o seu antecessor.

“Para Portugal era péssimo, para a Europa está ótimo. Isso não é hipocrisia, é o sistema a funcionar”, apontou Ventura.

O líder do Chega acusou também o PS e PSD de se “mobilizaram para controlar a Justiça”. “Quando a justiça toca a uns está tudo bem, mas quando toca a políticos eles mobilizam-se imediatamente para controlar a Justiça”, afirmou.

Ventura confrontou ainda o primeiro-ministro em relação às suas declarações relativamente à “coligação negativa” entre o PS e o Chega para acabar com as portagens, lembrando que o PSD também se juntou ao PS para chumbar as propostas do Chega para a imigração.
 
Na resposta, o primeiro-ministro salientou que fez oposição aos governos de António Costa “do primeiro ao último dia”, primeiro enquanto líder parlamentar do PSD, entre 2015 e 2017, e mais recentemente como presidente do PSD.

“Significa isso que eu não tenho condições para reconhecer as suas características enquanto político, que não tenho condições para reconhecer as suas capacidades para estar à altura de uma função que é de conciliação, de agregação de famílias políticas diferentes?”, questionou.

“Enquanto não tiver capacidade para perceber isto, não percebe nada e não vai conseguir o objetivo que quer para o seu percurso político”, disse Montenegro a André Ventura, afirmando que a vontade do líder do Chega “era estar aqui ao meu lado a governar comigo”.

“Não digo isto de forma paternalista nem arrogante”, disse Montenegro, lembrando que Ventura no último debate quinzenal disse que a legislatura estava a correr mal e que isso se iria refletir nos resultados das europeias. “Eu hoje pergunto-lhe: senhor deputado, o que é que correu mal e a quem é que correu mal nas últimas eleições?”, questionou, numa referência à queda do chega nas eleições europeias.

“O que correu mal foi que o PSD ganhou a 10 de março e agora perdeu para o PS”, respondeu André Ventura.

“Eu não estou aqui para estar ao seu lado mas para estar no seu lugar de primeiro-ministro”, acrescentou André Ventura, afirmando ainda que Pedro Passos Coelho “coraria de vergonha com o seu apoio a António Costa” para o Conselho Europeu.

“As bazófias do deputado André Ventura continuam e nós respondemos a todas", respondeu o primeiro-ministro, provocando grande alvoroço na bancada do Chega.

“O senhor deputado tem todo o direito de ambicionar ser primeiro-ministro. O que já não tem é sustentação para os objetivos que traça”, acrescentou.

Montenegro admitiu que o PSD ficou “frustrado” após s eleições europeias, mas deixou um desafio a Ventura: "Nós ficámos frustrados por ficarmos a 0,8 pontos do nosso objetivo. Não ganhámos, perdemos, assumi essa derrota, mantivemos a representação. O senhor deputado tinha o mesmo objetivo que era ganhar (...) Ficou a que distância? Ficou a mais ou menos 23%; em desempenho individual tinha que mais que triplicar o seu score. Com que legitimidade e autoridade política quer fazer esta discussão?".
Governo admite avaliar e fazer substituições em administrações hospitalares

O Governo vai avaliar "todo o edifício das administrações hospitalares" e fazer algumas substituições, anunciou o primeiro-ministro, considerando natural que sejam nomeadas pessoas com ligações ao PSD, ao PS e até à IL.

A posição foi assumida em resposta ao deputado e presidente da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, durante o debate quinzenal.

"Aquilo que vamos, portanto, fazer, é uma avaliação da capacidade de gestão de todo o edifício das administrações hospitalares e proceder a algumas substituições, que são naturais, para reforço precisamente de capacidades, já agora multidisciplinares", declarou Luís Montenegro, defendendo que "estas equipas precisam de várias disciplinas de conhecimento para poderem ser eficazes"

"E vamos fazê-lo com critério de mérito. Perguntar-me-á, já por antecipação: vai haver pessoas com ligação ao PSD? È natural. vai haver pessoas com ligação ao PS? É natural. E eu até acho que vai haver pessoas com ligação à Iniciativa Liberal, não seria a primeira nem a última vez em órgãos da administração", acrescentou.
BE acusa Governo de adotar bandeiras do Chega na imigração e alerta para retrocesso
A coordenadora do BE, Mariana Mortágua, acusou o Governo de promover um "retrocesso de décadas" na imigração com medidas já tentadas e que foram "um desastre", considerando que o Executivo adotou `bandeiras´ do Chega.

"Eu gostaria de lhe citar uma frase. E a frase é a seguinte: `Quem quer vir a Portugal legalmente, pode vir. Vai aos consulados, pede autorização, e depois Portugal, de acordo com a conjuntura e com os seus interesses, decide se dá ou não dá autorização.` Não foi o ministro Leitão Amaro que disse isto. Foi Dias Loureiro, em 1993", afirmou Mariana Mortágua, no debate quinzenal.

A coordenadora do BE perguntou a Luís Montenegro se considera que a Expo 98 e os estádios de futebol, a Ponte Vasco da Gama ou o metro do Porto foram construídos por imigrantes que chegaram a Portugal "através de consulados".

"Não foram. Essa política foi tentada e foi um desastre. Os consulados foram afundados em filas e em máfias. E os imigrantes chegavam a Portugal clandestinos", alertou a bloquista, que acrescentou que alguns destes imigrantes eram ucranianos -- país agora apoiado por Portugal devido à invasão russa.

Para Mariana Mortágua, "importa pouco" se o primeiro-ministro afirma que "não negoceia com políticos racistas e xenófobos" se depois vai "adotar as bandeiras do Chega, nomeadamente quanto à imigração".

Na opinião da líder bloquista, o Governo "aproveitou o caos que o PS deixou nos serviços da AIMA [Agência para a Integração Migrações e Asilo] para mudar a lei e fechar a única porta que existia para a regularização de imigrantes que venham a entrar em Portugal".

Na resposta, o primeiro-ministro rejeitou ter aderido a qualquer bandeira do Chega nesta matéria e defendeu o plano apresentado pelo Governo este mês, que entre outras medidas pôs fim ao regime excecional que permitia a um estrangeiro entrar em Portugal e só depois pedir autorização de residência e critou uma estrutura de missão para regularizar processos pendentes, estimados em 400 mil.

Montenegro afirmou que o Governo prioriza a regularização destes 400 mil imigrantes e salientou que, no que toca a cidadãos estrangeiros provenientes de países que falam português, o executivo "manteve as regras que são mais capazes de se preencherem do que nas outras situações".

"Entendemos que essa política, que já agora até gera algumas dúvidas e resistências à escala europeia, deve manter-se e nós assumimos essa manutenção", defendeu.

O primeiro-ministro acusou o BE de querer uma política de "portas escancaradas".

"Nós temos interesse em ter uma imigração regulada, é isso que estamos a fazer, com equilíbrio, que não fecha porta a ninguém, mas que dê condições de base e de partida que garantam às pessoas que não vão ficar na situação de miséria humana em que infelizmente algumas se encontram hoje em Portugal", disse.

c/Lusa
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